A AULA MÁGICA DE LUIS
ALBERTO WARAT:
Genealogia de uma
Pedagogia da Sedução para o Ensino do Direito (II)
Leonel Severo Rocha
Dr.
EHESS-Paris. Pesquisador do CNPq. Coordenador e Prof. Titular do PPGDireito da
Unisinos.
2da.
PARTE
5.
WARAT NO BRASIL: a partir de Santa Maria
Warat,
Doutor, vai ao Rio de Janeiro, convidado por Joaquim Falcão, para ministrar um
curso na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – PUC-RJ. Por
motivos pessoais e políticos decide fixar residência no Brasil. Depois de
alguns trabalhos, terminou indo para UFSM em 1977 (provavelmente pela
proximidade com a Argentina). Em Santa Maria, em 1979, organizou, no sul do
Brasil, um encontro onde já figuravam grandes nomes como, o próprio Joaquim
Falcão, Tércio Sampaio Ferraz Júnior, Aurélio Wander Bastos, e outros; culminando
com a fundação da Almed-Brasil. Posteriormente, ocorreu um encontro na cidade
de Santo Ângelo, com a criação do núcleo missioneiro.
6.
EM FLORIANÓPOLIS
No final
dos anos setenta estavam sendo criados os primeiros Programas de Mestrado em
Direito conforme as exigências da Capes, e um dos pioneiros foi o da Universidade
Federal de Santa Catarina. Contudo, na época enfrentava-se um grande problema
para constituir o corpo docente desses programas. Tratava-se do pouco número de
doutores no mercado. Assim, quando se ficou sabendo que Luis Alberto Warat,
residia em Santa Maria, o coordenador do Mestrado em Direito da Universidade
Federal de Santa Catarina, Prof. Paulo Blasi, foi buscá-lo; e ele terminou
assumindo como professor de Filosofia do Direito. Graças a Warat, o curso foi
facilmente credenciado pela Capes.
Entretanto,
no PPGD-UFSC, o trabalho de Warat passou a ter uma ressonância muito maior.
Assim como eu, outros alunos que estiveram com Warat em Santa Maria[1],
o seguiram também para Santa Catarina. Vieram alunos de todo Brasil, e,
inclusive da Argentina. Em razão disso é fácil perceber que a partir do período
em Florianópolis as ideias waratianas passaram a se difundir por todo o país.
7.
REENCONTRO COM KELSEN: concurso para professor em Florianópolis
Warat
decidiu fazer o concurso para professor titular da Universidade Federal de
Santa Catarina. Nessa oportunidade, o tema indicado por Warat, para a
apresentação de sua tese foi: "Reencontro com Kelsen". Convém
mencionar que Kelsen se tornou um autor emblemático porque, de alguma maneira,
quando Warat criticava o Direito, também estava criticando o modelo kelseniano.
Obviamente nem todo jurista pensa como Kelsen, mas Warat sempre criticava a
dogmática como se fosse inspirada no autor da Teoria Pura do Direito. Esse
"Reencontro com Kelsen" foi uma maneira que ele encontrou para
apresentar a sua tese e, ao mesmo tempo, retomar esse debate. Uma das coisas
que nós pensamos na época, e depois Warat conseguiu realizar, foi fazer o
"Kelsen em quadrinhos".
Do mesmo
modo, nos anos oitenta, igualmente repercutiu em Florianópolis um movimento que
já existia na Europa, mas que aí se tornou muito forte, de cunho marxista,
assentado na proposta de uma Teoria
crítica do Direito (alguns grupos também denominaram de Uso Alternativo do Direito). Warat
entendia que se deveria contrapor a Teoria
Crítica à Dogmática Jurídica. E para se referir a isso de modo mais
criativo e até bem humorado, Warat se utilizaria, mais tarde, da ideia dos "pinguins". Dizia que o sonho
de todo estudante de Direito era se tornar o que já são os profissionais da
nossa área: "pinguins". Todos
iguais, sem desejos, sem vontades, uma padronização, além de tudo, estética. E,
sobretudo, conformista e comprometida com os valores dos grupos dominantes.
8.
A REVISTA CONTRADOGMÁTICA
Um dos
frutos desse período em Florianópolis foi, portanto, a revista Contradogmática. Uma revista que nós
fizemos quase artesanalmente em 1980. O título foi sugerido por André-Jean
Arnaud, que sempre enviava algum artigo da França. Foi uma publicação
importante, uma das primeiras revistas críticas que surgiram no Brasil desta época.
9.
UMA FASE MUITO PRODUTIVA: Várias publicações e muita criatividade
Neste
período em Florianópolis, Warat começou a publicar vários livros criticando o
Direito, e o que muitos falam hoje como uma nova Hermenêutica Jurídica, ele já pensava
desde aquela época. Nesse sentido, se poderia citar os livros "Mitos e
Teorias da Interpretação da lei" ou mesmo "Direito e sua
linguagem". Muitos estão hoje descobrindo o que Warat, de certa forma, já
havia mencionado naquela época, às vezes inclusive sem citá-lo. Por isso, deve
ficar claro que desde o final dos anos 70, início dos anos 80, já havia em
Warat uma forte análise crítica à interpretação formalista da lei. Existe,
assim, um momento extremamente criativo em Florianópolis, no qual Warat começa
a liderar a crítica, tendo influências teóricas surpreendentes para quem é da
área do Direito. Por exemplo, surge a noção de carnavalização, o Manifesto do Surrealismo
Jurídico, a Cinesofia, e a ideia de uma Pedagogia da Sedução.
O conceito
de Carnavalização, que aparece em Bakthin (autor russo) em um primeiro escrito,
na perspectiva waratiana, sugere que para se pensar o Direito é preciso uma
linguagem carnavalizada, sem um lugar único, ou ponto certo, constituindo basicamente
uma polifonia de sentidos. Trata-se de uma linguagem que não possui um centro, configurando-se
em um lugar onde todos podem falar.
Porém, no Manifesto
do Surrealismo jurídico começam a nascer rompantes de imensa criatividade,
definindo o novo pensamento waratiano. O surrealismo é muito importante, porque
graças a ele, Warat postula, e os seus alunos ainda mais, que o que se pensa
pode acontecer. Essa é uma ideia baseada na psicanálise e nas loucuras de
Breton. Ou seja, a realidade é criada pela nossa imaginação. Também se pode
mencionar, na data, um outro texto: "Manifestos para uma ecologia do
desejo"[2].
Do mesmo
modo, divulgando suas teorias, na cidade de Curitiba, Warat também fez vários
encontros sobre o amor. Seminários onde se relacionava o Direito com o amor. Começa-se
a sair da sala de aula. As coisas vão acontecendo fora da instituição e isso
configura a sua grande crítica ao ensino do Direito. Finalmente, o mais
importante seria, para a construção do saber, a liberação da afetividade, e
precisamos de outros lugares para isso. Com o livro o Amor Tomado pelo Amor surgiu a proposta de se fazer um filme com o mesmo titulo, inspirado no
cinema cubano. Porém Warat que tentou colocar uma triz cubana como
protagonista, nunca gostou da versão realizada.
Por outro
lado, outro aspecto marcante do pensamento waratiano é o fato de que a
literatura passa a aparecer cada vez com mais intensidade. Warat seria também o
primeiro a ministrar a disciplina de Linguagem
e Argumentação Jurídica, em Florianópolis. Para tanto, ele utilizaria o
livro "O nome da rosa" de Humberto Eco, como texto da disciplina,
algo surpreendente para muitos. Também teve interesse por Jorge Amado, tendo lugar
de destaque, um de seus livros mais famosos, revisto como: "A Ciência
Jurídica e seus dois Maridos"[3].
Jorge Amado, para ele, era inovador pela possibilidade que tem dona Flor de
conciliar dois tipos de personagens diferentes, como maridos. Ele brincava
muito com isso. No livro inspirado em Jorge Amado, ele coloca dois pontos
opostos, uma pessoa mais racional e outra mais sentimental (vamos dizer assim).
Warat vai criticar duramente o formalismo e a criação desses espaços dotados de
verdade única como polo dominante no Direito.
Para
aplicar suas teses, Warat propõe, como uma espécie de cartografia, a Didática da Sedução: um território onde
as pessoas se apaixonam pelo saber. Assim, ao mesmo tempo em que ele pensava a
sala de aula, também apresentava duras críticas ao universo jurídico,
direcionadas tanto, ora para juízes, como, ora para promotores (e também para
professores), que eram os Teodoros da história. Assim, ele iria preparando a
saída da sala de aula (e do Direito oficial). Para tanto, uma das estratégias
que Warat também adotaria foi o tema da mediação,
compreendida por ele como um espaço onde realmente as pessoas poderiam, talvez,
manifestar e demonstrar seus desejos. Em todo esse processo permeava um tema
muito forte, que trazia o seguinte questionamento: qual seria o ensino ou a
didática mais adequada? Para Warat, era preciso um ensino voltado ao prazer,
que ele chamou de Didática da Sedução.
Não é fácil, mas todo o professor deveria ser um sedutor.
10.
BALANÇO DA VIDA: protagonista em seus textos
Pode-se
perceber, em textos que vão de 1997 a 2000, que Warat começa a fazer uma espécie
de balanço de sua vida. Já havia ocorrido uma Parada da Meia-idade em 1990. Mas,
a virada do milênio é um significante tanático. Tudo isto porque, cada vez
mais, o crepúsculo, colocava-o como um personagem, protagonista, de tudo. Na
ânsia de aproveitar ao máximo o prazer da vida. O famoso caderno de anotações, borrador, que segundo Russo, o
acompanhava até na banheira (Prefácio de Derecho al Derecho), seria substituído
pelo notebook, transformando-se em um blog.
Realmente,
o blog foi usado por Warat como forma de comunicação simbólica universal para
colocá-lo democraticamente em rede (luisalbertowaratblogspot). Warat deixaria
de ser um privilégio de poucos, para entrar no ciberespaço. Houve projetos até
de se fazer um canal de TV, que experimentalmente se chamou Arte e Direito. Deste modo, conseguiu
assimilar facilmente novas tecnologias. Com o seu blog, adotou a ideia da
aprendizagem em rede, como exatamente aquilo que ele precisava para sair da
prisão da sala de aula.
11.
OS CABARÉS: a saída da sala de aula
Outrossim,
em consonância com tudo isso, Warat recriaria a ideia de Cabarés. Trata-se de uma inspiração que ele trazia de sua
juventude, ou seja, de utilizar o teatro como uma forma de expressão. Entendia
ele que as pessoas que estão estudando precisam ter a possibilidade de expressar
seus dons e competências mais profundos, e o professor teria como principal
função permitir isso. Assim, desde as formas artísticas mais tradicionais,
música, poesia, até as mais inusitadas, todos merecem um instante, pelo menos,
das luzes do cabaré. De qualquer maneira, seria um lugar de liberação,
inclusive sexual. Então, o cabaré seria um espaço fantástico, que de alguma forma
responderia a questão que coloquei no início: a construção de um portal
diferenciado que pode ser chamado de Aula
Mágica.
CONSIDERAÇÕES
FINAIS: Aula Mágica e a pedagogia waratiana da sedução
A Aula
Mágica é um Cabaré. O mal estar da civilização é a repressão do desejo. As
pessoas vivem em uma sociedade de incertezas, quanto ao que é certo ou errado,
dominadas pela tecnologia e o consumismo. Então, em uma sociedade desse tipo, o
mais importante, talvez, seja ter, ao menos, alguns momentos de prazer. Esse,
junto com a afetividade, talvez seja o caminho. Se na universidade não tenho
esse lugar: invento o Cabaré.
No início,
houve o Cabaré Macunaíma, em homenagem a literatura antropofágica brasileira;
depois, os cafés filosóficos, que transformavam uma mesa de bar em um circo
mambembe. Tudo isso atravessado pelo amadurecimento do blog. Houve até um
momento Warat-Avatar. Mais tarde, com a materialização (mágica) da Casa Warat, este
movimento rompeu todas as fronteiras. A partir daí, Warat tem compartilhado
como nunca, com todos, os seus cumplices a solidariedade do desejo.
Warat, insisto,
nos ensinou com seu próprio exemplo que é possível desenvolver uma pedagogia
voltada à criatividade. Como exemplo de sucesso desta pedagogia, nós temos que,
todos os alunos mais diretos do Warat conhecem muito bem a teoria de Kelsen.
Mas, Warat, poucas vezes, ensinou Kelsen em sala de aula. Tratava de ensinar
com paixão e criatividade, colocando as pessoas no centro do processo didático.
Embora, não se ensinasse, às vezes, diretamente o tema, as pessoas vivenciavam
um processo de aprendizagem. Isto quer dizer que, com Warat, se aprendia Kelsen
sem ter grandes aulas magistrais. Criava-se uma motivação, um desejo, e as
pessoas participavam de forma ativa desse processo. Essa didática waratiana é
extremamente interessante, porque, ao contrário, do que todo professor tradicional
pensa, somente se tem acesso ao saber, e a construção de memória, com afetividade.
Pelo menos essa é a interpretação que eu faço da didática waratiana.
São
Leopoldo, 14 de dezembro de 2012.
[1]Eu iniciei o Mestrado em
Florianópolis em 1980, defendendo a dissertação em fevereiro de 1982, em um
período de trabalho profundamente compartilhado com Warat, que foi o
orientador.
[2]
WARAT, Luis Alberto. Manifestos para uma ecologia do desejo. São
Paulo: Acadêmica, 1990.
[3] WARAT, Luis Alberto. A Ciência
Jurídica e seus dois maridos. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2000.
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