19 de agosto de 2009

Nevoeiros de uno de los comediantes del mar

Repouse/Sua cabeça frágil e cansada./A noite está começando/Você chegou ao fim da jornada./Durma agora/E sonhe com os que vieram antes/Eles estão chamando/ Dos portos distantes/Por que você chora?/O que são essas lágrimas no rosto?/Logo você verá/Que todo o medo será deposto/A salvo em meus braços/Você apenas dorme./O que você vê/No horizonte enorme?/Por que a gaivota branca/Canta?/Atravessando o mar/Uma lua pálida se levanta/Os navios vieram em frota/Para levar você de volta./Tudo se tornará/Como vidro prateado/Uma luz sobre a água/As almas passarão ao outro lado/A esperança míngua/No mundo da noite que avança/Através das sombras que caem/Saindo do tempo e da lembrança/Não diga/Que agora chegamos ao fim./Os portos brancos estão chamando./Haverá um reencontro entre você e mim/E você estará aqui em meus braços/Onde apenas dorme./O que você vê /No horizonte enorme?/Por que a gaivota branca/Canta?/Atravessando o mar/Uma pálida lua se levanta./Os navios vieram em frota/Para levar você de volta/E tudo se tornará/Vidro prateado./Uma luz no mar/Navios cinzentos são navegados/Para o Oeste.
(Tema do filme The Lord of the rings)

Dias de nevoeiros. A massa cinzenta e úmida que encobre e envolve a Serra, guarda em seu útero minha morada. Através das janelas observo um mundo em tons pastéis. Toda a natureza envolta pelos véus molhados e frios que ocultam uma paisagem familiar. Eu a adivinho pela lembrança que guardo. As trilhas desaparecem e com elas meus rastros, o tênue fio que pode indicar o caminho da volta. Ouço de algum sítio ruídos que se assemelham ao trinado de algum pássaro, o latido de algum cachorro, do humano nada escuto senão aquilo que aleatoriamente a memória faz acontecer.
Meus pensamentos levam-me aos elefantes, paquidermes geográficos, habitantes da natureza e do meu imaginário natural. Penso no elefante que se afasta da manada para, solitariamente atender a um chamamento, inscrito na sua espécie desde sempre, para o início de uma caminhada solitária e única. Ele, naquele momento em que se afasta da sua comunidade, dela não se desgarra, não a abandona; tão somente assume o desiderato de todos da sua espécie que ainda vivem em liberdade: buscar a senda inscrita na Memória Ancestral que o levará para o último repouso, o repouso de um corpo que já realizou sua enteléquia. Neste instante em que inicia seu devir solitário, encontra-se na plenitude de sua existência. Nunca seu telos ficou tão claro e preciso. Nunca seu olhar esteve tão determinado e tranqüilo. Os nevoeiros não mais confundirão os sentidos. Memória e sensibilidade estão pacificadas.
Esta caminhada o levará inexoravelmente ao lugar onde estão depositados os restos mortais dos seus ancestrais, daqueles que um dia pertenceram, assim como ele, àquela manada. Tal caminhada é longa e de grande duração no tempo cósmico que é peculiar à physis. O tempo permanente do Cosmos, do movimento contínuo só apreensível quando se alcança a condição criadora da demiurgia, um estado de criação entre o planetário e o divino.
Seus passos iniciais são inseguros, seus sentidos palmeiam os caminhos já percorridos como que quisesse retê-los de algum modo. Ainda olha para trás, saudoso do que já foi. Mas, aos poucos, deixa-se envolver por sua Memória Ancestral, o que foi já morreu com sua singularidade, ele começa a dissolver-se para reassumir sua condição de espécie numa relação única com as demais espécies, com a Vida.
Os nevoeiros se desfazem pouco a pouco e, pela primeira vez, sente a plenitude deste habitat passageiro e evanescente, mas profundo. Seus sentidos começam a capturar todos os movimentos, todos os sons, todas as fulgurações luminosas de um sol que nunca se põe. Seu corpo começa a vibrar em um estado de êxtase único, pois finalmente pode viver em harmonia com o todo, com o universal que gestou sua existência. Não se dirige para a morte como quem sobe num cadafalso onde a vida lhe será ceifada violentamente. Apenas dirige-se para a morte como condição maior de sentido da sua existência. E é para isso que a caminhada se anuncia e acontece.
Assim também devemos ser enquanto pertencentes a uma entre tantas espécies: a espécie humana. Porque as formas de vida que habitam Gaia, todas trazem consigo uma destinação, um fim a ser alcançado. Devemos tão somente estar atentos aos momentos singulares que anunciem o início da nossa caminhada final, única para cada um de nós humanos. Distanciados desde sempre dos vínculos instintivos, pois animots, pois alteru, vivenciando este outro entre dois. Cabendo a cada um recuperar para si e para a espécie, a compreensão deste legado que é a Vida. Dizia Benjamin que cabe ao passado - que pode nos acontecer como um agora - iluminar o presente, nunca o contrário. E o passado nos leva irremediavelmente à compreensão da finitude. Esse passado que não é apenas de cada um, é o passado de todos, inscrito na saga da existência humana.
Fundamental que reflitamos sobre esta condição, principalmente porque estamos vivendo a emergência do momento, das vivências extemporâneas que nos alienam constantemente de nós mesmos enquanto destinações únicas e gregárias ao mesmo tempo. Não devemos nos compreender como sequências de instantes que se acumulam aleatoriamente, num afã de “vivre pour vivre”. Definitivamente não somos amebas. Importa que saibamos que, de algum modo a “caminhada do elefante” se inicia quando o arco vital começa a tencionar ao emergimos do útero materno no alvorecer das nossas vidas.
A história de nossas vidas esta inscrita em um relato único e ao mesmo tempo comum à espécie. Enquanto inscrição pessoal mostra-nos que somos legatários da Palavra Ancestral que nos conduziu à condição humana. E, enquanto um entre tantos outros iguais, herdamos a humanidade, nossa e de todos. Estas são algumas coisas que não deveriam ser esquecidas, mas que se perderam para muitos de nós. O resgate desta herança guardada na Memória, ao ser reassumido possibilita a compreensão do necessário vinculo amoroso, não apenas com os da mesma espécie, mas com todas as manifestações da Vida Planetária, visto que todas as coisas se farão presente ao reconhecermos o início do fim da caminhada em direção à luminosidade que pode nos revelar ao que viemos.

Albano Pêpe

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