Jorge Luis Borges, no conto "A Intrusa" narra a história de dois irmãos que viviam numa paz aparente até que um deles traz uma mulher para morar na casa deles. Daí em diante o desenrolar deixa evidenciado que não havia a paz da aparência, nem o companheirismo de antes. Surge, neste lugar, quem sabe, uma objeto que coloca em conflito o desejo dos sujeitos que não conseguem, entre si, dizer o que se passa. No Simbólico há um fosso de sentido, cujo resultado somente pode se fazer ver com um ato bem Real, a saber, das intermitências de uma relação conturbada surge uma morte, a da mulher, a qual pode - imaginariamente - devolver a paz de antes. As leituras do conto de Borges são muitas. Não quero as historiar. Aproveito justamente a entrada do feminino no contexto de uma relação, ou seja, como a abertura para a diferença pode gerar, no seu cúmulo, intolerância e morte. Enfim, a intrusa precisa ser defenestrada para que se busque, novamente, a repetição de uma ausência apaziguadora. A responsabilidade do sujeito, no caso, acontece em qualquer situação.
No Direito o discurso masculino, viril, do uso e abuso da força e da coerção desfilam como protagonistas de um normativismo que acredita que todos os problemas do mundo estariam resolvidos pela subsunção perfeita entre texto normativo e mundo da vida, não se dando conta, claro, que o mundo é inapreensível, e que aceitar esta impotência é condição de possibilidade para o se abrir para a alteridade. Mas a alteridade promove o encontro com o estranho e tão próximo, a saber, a violência. A violência é constitutiva da sociedade e de alguma maneira o discurso normativista baseado numa imaginária "paz perpétua" promove intervenções violentas justamente para, do paradoxo, a promover. O exemplo palmar disto se dá no Direito Penal que, em nome da coesão social, articula toda uma rede de seleções dos mesmos, enfim, funciona como mecanismo de "legitimação" do poder.
Assim é que o livro de Luis Alberto Warat, um eterno caçador de mitos, apresenta um mosaico de fragmentos, pelo qual a re-novação se faz ver, nele e em nós. Ele influenciou toda uma geração de gente aturdida à procura de um Mestre. Este lugar de Oráculo, todavia, nunca foi por ele ocupado, embora muitos assim o quisessem. Ao não aceitar guiar, apontar o caminho, foi criticado, negado histericamente, ainda que mais tarde (quase) todos tenham se rendido à postura manifestamente ética de Luis Alberto Warat: apostar na capacidade de enunciação do sujeito! Teria sido mais fácil, especialmente para os que cultivam um "narcisismo pedante", próprio da Academia, ter fundado uma "Seita jurídica" qualquer, na sua modalidade mais contemporânea, a saber, uma "seita jurídica da salvação". Mas não. Sabia Warat que não há Salvação concedida, completude prometida, pois isto é empulhação Imaginária. E o lugar dos Salvadores sempre é o do canalh a! Restou, sempre, a aposta. A aposta no sujeito, na sua autenticidade, carnavalizando as certezas.
Neste devir de apostas, supera-se o axioma da modernidade: "Iludo-me, logo, existo", justamente por se apontar que o desejo não se articula necessariamente com a razão mas sim com um sorriso doce e que se abre para o mundo, como uma questão de pele. Diz ele que na altura de sua vida não quer mais polemizar, que está intoxicado pelo normativismo e que seu corpo não suporta mais, por este motivo, dorme, tal qual Ulisses, para não ser devorado, uma forma de atar ao mastro do navio. O seu modo de resistir aos paraísos artificiais que impedem a fruição, o salto para o desconhecido. De alguma forma Warat nos mostra uma cartografia do seu sentido, das novas formas de refletir, ler, escutar, interpretar, argumentar e sentir o Direito que precisam ser radicalmente revisitadas, com e pelo intruso feminino. Esse é o destino de uma teoria da argumentação que aspire a ser algo mais que um livro de auto-ajuda sobre o controle racional das emoções, diz ele.
No caso de Warat tenho para com ele o que Cortazar chamava de "amizade felina", no sentido de que ele sabe quem sou e eu sei quem é Warat. Não há mais o que falar! Somos amigos e Tchau, cada um para o seu lado. De qualquer forma, com a sedução que ele opera, vale a descrição de Pedro Juan Gutiérrez, o qual, por certo, descreve Warat: "Sou um sedutor. Eu sei. Assim como existem os alcoólicos irrecuperáveis, os jogadores, os viciados em cafeína, em nicotina, em maconha, os cleptomaníacos etcétera, sou um viciado em sedução. Às vezes o anjinho que tenho dentro de mim tenta me controlar e diz assim: ‘Não seja tão filho-da-puta,Luisito... Não percebe que está fazendo estas mulheres sofrerem?’. Mas aí aparece o diabinho e o contradiz: ‘Vá em frente. Elas ficam felizes assim, nem que seja só por um tempo. E você também fica feliz. Não se sinta culpado. É um vício. Sei que a sedução é um vício igu al a outro qualquer. E não existe nenhum Sedutores Anônimos. Se existisse, talvez pudessem fazer algo por mim. Se bem que não tenho tanta certeza. Seguramente eu inventaria pretextos para não comparecer a suas sessões e ter de ficar lá na caradura na frente de todo o mundo, botar a mão na Bíblia e dizer serenamente: ‘Meu nome é Luis Alberto Warat. Sou um sedutor. E faz hoje vinte e sete dias que não seduzo ninguém." Mas aí talvez surjam sempre surpresas ou eternos retornos. Por isto vale a pena a carta de Caio Fernando Abreu para Maria Adelaide Amaral: "E coisas como: o amor existe mesmo? Ou só existe o permanecer de braços abertos, como no sonho de Luísa (esse sonho podia perfeitamente ser meu, pronto(a) a receber alguém que nem sequer chega a tomar forma? E quando alguém, no plano real, toma forma, a gente imediatamente projeta toda aquela emoção presa na garganta do sonho. E fatalmente se fode, porque está tentando adequar/ajustar um arquétipo, a imagem de toda a nossa infinita carência, nossa assustadora sede, a uma realidadezinha infinitamente inferior".
A casa precisa sempre ser renovada. Warat nos convida a adotar uma postura poética e Dionísica do mundo, sempre! Vamos?
Alexandre Morais da Rosa.
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