"A história de Édipo é sobejamente conhecida: tendo encontrado um recém‑nascido abandonado, um certo pastor levou‑o ao rei Políbio que o criou. Já adulto, Édipo cruzou‑se um dia numa estrada de montanha com um carro de cavalos onde viajava um príncipe desconhecido. Gerou‑se uma discussão e Édipo matou o príncipe. Mais tarde, desposou a rainha Jocasta e tornou‑se rei de Tebas. Não fazia a mínima idéia que o homem que um dia matara nas montanhas era seu pai e a mulher com quem dormia, sua mãe. E, no entanto, o destino encarniçava‑se contra os seus súbditos, cobrindo‑os de pragas. Quando Édipo percebeu que o culpado dos seus males era ele, vazou os olhos com alfinetes e, cego para todo o sempre, deixou Tebas.
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Quem pensa que os regimes comunistas da Europa Central são exclusivamente obra de criminosos deixa na sombra uma verdade fundamental: é que os regimes comunistas não foram edificados por criminosos, mas por entusiastas, convencidos de que tinham descoberto a única via possível para o paraíso. E defendiam essa via com unhas e dentes, chegando inclusivamente a mandar matar muito boagente por causa disso. Mais tarde, tomou‑se claro como a luz do dia que o paraíso não existia e, portanto, que os entusiastas eram assassinos.
Então todos caíram em cima dos comunistas: eles é que eram responsáveis pela desgraça do país (que se encontrava pobre e arruinado), pela perda da independência nacional (o país tinha caído sob a alçada dos russos), pelos homicídios judiciais!
Os acusados respondiam: não sabíamos! Fomos enganados! Acreditávamos! Somos inocentes do fundo do coração!
O debate resumia‑se, portanto, a uma questão: os comunistas não saberiam mesmo? Ou estavam só a fingir que não sabiam de nada?
Tomas ia seguindo o debate (como outros dez milhões de tchecos), convencido que tinha forçosamente de haver comunistas ao corrente de alguma coisa (apesar de tudo, sempre deviam ter ouvido falar dos honores que se tinham produzido e continuavam a produzir‑se na Rússia pós‑revolucionária). Mas também achava provável que a grande maioria não estivesse realmente ao corrente de nada.
E pensava que a pergunta que devia ser feita não era: afinal, os comunistas sabiam ou não? Mas: alguém pode estar inocente só por não saber? Um imbecil sentado num trono pode ser desculpado de tudo só pelo fato de ser imbecil?
Admitamos que o procurador checo, que no início dos anos cinqüenta pedia a pena de morte para um inocente, tenha sido de fato enganado pela polícia secreta russa e pelo Governo do seu país. Mas agora que toda a gente sabia que as acusações eram absurdas e que os supliciados estavam inocentes, como é que exatamente o mesmo procurador podia defender a brancura da sua alma e bater com a mão no peito, protestando: eu tenho a consciência limpa, eu não sabia, eu não acreditava! Não era exatamente no seu Eu não sabia! Eu não acreditava! que residia a sua culpa irreparável?
Então, Tomas lembrou‑se da história de Édipo. Édipo não sabia que dormia com a própria mãe, mas, no entanto, quando compreendeu o que lhe tinha acontecido, não se sentiu inocente. Não pôde suportar o espetáculo da desgraça que causara com a sua ignorância, vazou os olhos e, cego para todo o sempre, deixou Tebas.
Tomas ouvia os comunistas a defender aos berros a brancura das suas almas e pensava: por causa da vossa inconsciência, talvez este país tenha ficado privado de liberdade por vários séculos e ainda se põem a berrar que estão inocentes? Como é que ainda podem olhar para aquilo que vos rodeia? Como é que não ficam apavorados? Ainda são capazes de ver? Se ainda tivessem olhos, deviam mas era vazá‑los e sair de Tebas!"
1 comentario:
olá...
eu pediria que vcs adicionassem ao blog, o recurso de compartilhamento do facebook e do orkut...
ajuda bastante na divulgação...é que eu procurei fazer isso hj e não há esse recurso!
obrigada
beijos
M
justicaverde.blogspot.com
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