8 de marzo de 2011

Falando em Carnaval...


Verão de 84. De repente, de “Brahma em Brahma”, enganando o tédio, no mesmo bar em que Vinícius cobriu com seu machismo o corpo da mulher carioca, meu amigo Robson Gonçalves, na sexta cerveja, me apresentou a Bakhtin. (…). Bakhtin, levantando problemas à poética de Dostoiévsky, havia encontrado no imaginário do carnaval um excitante paradigma para a análise literária. Nesse instante senti que o pano dava para mangas: por que não explorar Dostoiévsky e a cosmovisão carnavalesca da vida, subvertendo o establishment, epistemológico?

(…)

Apelo nesta escrita à formula da carnavalização para falar de uma certa mudança de sensibilidade…

A carnavalização, como lugar epistemológico, seria sempre e tão somente o lugar onde se possam detectar os sinais do novo. Seria sempre o ponto de chegada do novo que vem vindo.

O imaginário carnavalizado nos cobre com a fantasia de um espaço público solidário na procura da aceitação e do desenvolvimento do conflito.

Situando o pensamento carnavalizado como a presença do novo no imaginário instituído, ele se nos apresenta como um plus de significação que permite a reivindicação da autonomia dos sujeitos em todos os fragmentos da vida social.

A metáfora do carnaval pode ajudar a entender que não há mais uma autoridade incontestável, fiadora do poder e do saber

A escrita (literatura) carnavalizada e carnavalizadora pode ser apresentada cautelosa e provisoriamente com a seguinte série de palavras: neoromantismo, polifonia, intertextualidade, sincretismo, diálogo, movimento, existência, espontâneo, imprevisto e vivenciado.

É a escrita que resgata o espontâneo da vida e se revela contra os moldes de uma racionalidade preexistente que quer entronizar as verdades nos valores conservadores de um saber armado, pré-fabricado; de um saber preocupado em não misturar as sujeiras acadêmicas com as penúrias dos simples e com as angústias, os impulsos e os prazeres do cotidiano.

A literatura carnavalizada apresenta como componente decisivo o contato direto com a vida e não com a razão.

A cosmovisão carnavalesca abala ou enfrenta aqueles princípios, crenças ou mecanismos que colocam a razão acima da vida.

Trata-se de uma hostilização dos ritos de ordem, provocados pelo rodízio dos papeis simbólicos, a profanação lúdica do que é culturalmente posto como sublime.

Ei-nos diante de um jogo que vira o mundo de cabeça, contragolpeia sobre seus centros reguladores de poder, de medo e de hierarquização.

Os papéis se trocam, tudo fica carnavalescamente invertido, para dar passo, sem pompas acadêmicas, aos fatos da vida e às pulsões vitais.

Há no modo carnavalesco de esperar o inesperado uma súbita inversão lúdica da percepção rotineira e científica da realidade. É como se o mudo se apresentasse for a dos eixos. Uma busca erótica, ludicamente aguçada.

A carnavalização é uma maneira lúdica de contra a vida. Um espaço para preencher. Um mundo para criar juntando o político ao erótico, e o corpo às significações. Na carnavalização não pode existir um discurso longe dos corpos sem o cheiro dos desejos.

A carnavalização é uma febre que nos aguarda para a construção de uma nova afetividade. É uma coragem para não engolir mais as idéias velhas. O velho não produz nada, nem o mundo que quer preservar. Ferozmente, o velho contamina o novo de morte.

É preciso ter o espírito desarmado (carnavalizado) para poder incorporar o novo.

A carnavalização é uma prática de linguagem que considera a nudez como significação para corroer com sanha demolidora o eclipse dos nossos desejos. Ela nos propõe, como jogos infantis deslocados, um modo escritível de ter coragem para perseguir as mudanças que perturbem a solidez de meu mundo. Porque o que interessa é o que sacode enquanto vivo. Tudo mais é papo furado.

(Trechos "carnavalizadamente" escolhidos de "A ciência jurídica e seus dois maridos")

Luis Alberto Warat

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