24 de noviembre de 2009

Continuação de um diálogo recorrente - parte II lo desarrolla Albano Pepe


Warat: sociedades de desaparecimento -
O horror continua expandindo-se e submetendo-se a redes de poderes sociais. Foucault denunciou e nos espantou descrevendo as sociedades disciplinares. Nessas sociedades se fazia presente a biopolítica, ou seja, a disciplina por parte do Estado, dos corpos adestrados. Porém corpos que existiam e era preciso formatá-los conforme o que o Estado queria fazer deles. Depois veio a sociedade de consumo massivo, depois a sociedade do espetáculo. E agora estamos, desde alguns anos instalados em sociedades com corpos seqüestrados, com corpos que desapareceram... E ninguém justifica tais desaparecimentos. Corpos tornados invisíveis. Estados que já não se interessam em controlar as pessoas. Querem muito mais que o controle do outro. Querem que o outro desapareça. O corpo do outro já não importa nada. Se for esta a situação, não existe educação, não existe política, não existem instituições, só a dor de não ser. Se vivemos em sociedades de desaparecidos, já não mais podemos falar da alteridade, de direitos humanos, de cidadania. Todas as palavras têm que se transformar em adjetivos de um corpo. Porém os corpos não existem mais e os adjetivos tampouco. Se os cidadãos desapareceram, se não existe a cidadania, qual é o direito aplicável a um desaparecido? Os desaparecidos não podem praticar a cidadania e isto é bom para o Estado. Se meu objetivo é exercer o poder como uma maquina de fabricação de desaparecidos, não tenho porque ocupar-me deles, nem de garantir-lhes a democracia, nem a justiça, nem usar os estabelecimentos onde se fabricam os desaparecidos como lugares de reabilitação. Os desaparecidos não são reabilitáveis. O horror expandido como rizoma marca a inutilidade de todas as fantasias jurídicas. Os desaparecidos se convertem em fantasmas e os fantasmas não precisam de fantasias.
Albano:
O Estado moderno estabeleceu delimitações territoriais à diferença das ocupações das comunidades humanas em épocas anteriores à modernidade. Tais ocupações eram atravessadas por movimentos de territorializações e desterritorializações contínuas que desafiavam a rigidez das fronteiras modernas. A história nos relata a epopéia de povos e de desbravadores que atravessavam os continentes na busca do novo, do desconhecido; e desse nomadismo surgiam os relatos, as narrativas para aqueles que viviam sedentariamente. Tais relatos épicos inauguravam um tipo de discurso pedagógico que produzia um imaginário rico e criativo da saga da humanidade em sua peregrinação planetária. Assim educavam-se as comunidades, conhecendo novas culturas, novos costumes e hábitos. A educação servia para fortalecer a alma, para oferecer sentido às existências. As epopéias misturavam-se com as mitologias e muitos povos construíram imaginários estruturados com as mesmas raízes conforme nos chegam as pesquisas. Parece-me que uma expansão rizomática acontecia nas formações culturais, quando povos construíam suas identidades próprias muito em função das condições ambientais (clima, topografia, etc.), conservando no entanto os vínculos ancestrais das origens da espécie homo sapiens sapiens.
Os costumes (ethos) das comunidades implicavam na internalização dos mesmos através dos hábitos (ethos hexis) forjados em cada um dos habitantes. Todo este movimento dialético construía uma pedagogia (paedagogia), uma formação discursiva que ensinava a VIDA, a construção da morada (oikós) comunitária (polis) e a compreensão da harmonia do Cosmo (kósmos) e de suas leis imutáveis, pois eternas, para que as mesmas fossem aplicadas nos limites do mundo finito (sublunar) que habitamos. Assim, eram educados os corpos, desvelando-se gradativamente nesta tensão que marca uma espécie que se pensa e que se pergunta, que procura respostas para novas perguntas ad infinitum, pois o eterno enfrentamento do ser finito ante a infinitude do Universo.
Talvez daí a idéia do “eterno retorno” nietzschiano, um retorno aos elementais que compõem o Cosmo e naturalmente, nós mesmos. Tais elementais transmutam-se permanentemente, transformam-se mimeticamente no Caos (cháos) primordial que precede e propicia a geração dos corpos gasosos celestes. Chamamos isto de devir, devenir ou, um eterno retorno que nunca será uma repetição, pois construção permanente da VIDA que a todos gerou, que nos deu origem. Esta é no meu entendimento a base da pedagogia dos antigos, ensinando o movimento e sua complexidade, ensinando a compreensão da tensão natural entre o finito e o infinito que se dão simultaneamente. Motor primeiro dos existenciais humanos, onde não há corpos desaparecidos, mas sim, corpos mutantes num provisório e eterno estado transformacional.
A inscrição da espécie humana sempre dependeu e depende da compreensão da “des-ordem” cósmica traduzida em formações culturais que anunciam e ensinam “leis provisórias” que regem a existência do homo sapiens sapiens em seu constante nomadismo, tanto migratório como no mesmo lugar deslocando-se dos determinismos que tentam paralisar as intensidades vitais que nos regem. O Estado moderno, o capitalismo, assim como os institutos por eles desenvolvidos na modernidade (escolas, presídios, hospitais) produziram sistemas de controle e domínio que pretendem disciplinar a vida, manifestos em seus projetos educacionais, jurídicos, políticos, de produção de bens e de consumo, verdadeiras máquinas produtoras de subjetividades em série, linhas de produção de sentido ao não-sentido do Caos primordial, que não pode ser submetido a regramentos definitivos, senão a princípios e leis provisórios que se manifestariam através de uma pedagogia do devir, da VIDA.

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