27 de agosto de 2009

O mundo está ao contrário e ninguém reparou.

O fato é que trabalhar, mesmo que pouco tempo, nos presídios me marcou.
Depois de comunicar minha saída, sai correndo de lá e estou correndo até hoje.
Acho que captei e acumulei o desejo de liberdade daquela gente. Aquele ambiente, aquela vida e aqueles muros geram uma angustia louca, falta de ar.Um desejo de liberdade.
Eu adoeci, três semanas com a imunidade baixa. Deixei no meio da rua minha mala,com todas as minhas roupas dentro e meu laptop novinho. Esqueci, assim, sem explicação. Bati meu carro. Tudo isso em uma semana. No dia em que deixei a mala no meio da rua, no momento em que constatei isso tomei a decisão de não ir mais ao presídio.
Recapitulando, no dia em que todas essas coisas aconteceram eu tinha assistido uma cena no lugar que eu estava trabalhando. Entrei em um pavilhão no momento em que três presos também entravam. Dois estavam visivelmente com dor, muita dor e o outro oferecia o ombro para amparar-los. Na entrada os agentes atarefados indicaram o local para os presos aguardar. Uma van aguardava na porta para conduzi-los ao hospital. Eu meio aquilo, perplexa, perguntei o que havia acontecido, um agente respondeu alto já comentando com o motorista:
_Um está com dor para respirar e o outro apanhou. Tiroteou com os homens (policia) e os caras disseram que pegaram e deram, deram mesmo.
_Tem que dar mesmo, filhas da puta, não tinha nem que levar no hospital. O cara que ele matou não vai poder ir para o hospital.
E seguiram nessa linha.Quando estou assustada arregalo meus olhos.Meus olhos que já são grandes ficam enormes. O cara que havia apanhado da policia, passou por mim emitindo sons baixos de dor e me olhava. O preso que não pode falar tem nos olhos um grande instrumento de comunicação. E ele me olhava.
E o que tocou foi todos aqueles homens que estavam em volta alheios a violência e a dor daquele homem. A normatização daquilo. Normalização! Existe essa palavra?Eu não sei se existe, mas o que me choca é essa calma, e acreditar que isso é natural e necessário.
Não tem discurso ou explicação que me faça ficar imune e achar simples ver alguém naquele estado. Não interessa o que ele fez,ele está ali preso, pagando e ponto. Se eu acredito que posso agredir e violar o outro porque ele é um criminoso, um vagabundo então eu também sou. Porque em termos psíquicos a violência é a mesma. E isso eu não tolero eu não tenho estômago, adoeço.
E neste dia sai de lá direto para Santa Cruz. Levei comigo aquele olhar. E tudo o que escrevi aconteceu.
Aquela música do Nando Reis "O mundo está ao contrário e ninguém reparou..."
As pessoas são burras, muito burras. Ela acreditam e autorizam, através do discurso social que os presos sejam mantidos e tratados de forma absurda. Porque afinal é tudo vagabundo e tem que morrer. Burras porque essas pessoas não morrem e depois de terem sua violência incrementada, depois de serem brutalizados eles acabam saindo, fato. A sociedade carrega a arma da violência e aponta para si. A prisão é isso, potencializar a embrutecer homens. O que temem é o que acabam gerando. A prisão é esse grande lugar autorizado socialmente para o exercício da perversão.
Toda violência me choca, seja de que lado venha.


Extraído del blog de Andrea Beheregaray
http://wunschelrute.blogspot.com/

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