Abri hoje pela manhã teu e-mail (continuo sem Internet salvo quando venho para a Ford) e entendo que o texto quee escrevi como um todo mostra onde me posiciono. Mas em sintese o que ocorre é que mitomano nos dicionários consultados pode nos colocar como mentirosos mórbidos, que não é o caso. bom o texto está aqui em baixo, leia-o e mande notícias.
Ciao
Diálogos de dois sátiros mitônimos
Warat, hoje o sol invade as janelas da minha morada. Sua luminosidade e calor reconfortam todas as formas de vida das quais participo. O fenômeno da fotossíntese (natural, mágico ou científico, como queira o freguês) renova as energias dos seres. Uns “lagarteiam”, outros soltam seus trinados no jogo da sedução do acasalamento, como assim o faz o João de Barro no topo de sua oca - fruto da sua poiesis, do seu labor -. Flores abrem suas pétalas polinizando o ambiente, enfim, a vida continua em seu tempo único e verdadeiro. Sinto-me parecido com a figura mítica do Observador, que a tudo vê e em nada interfere. Intervir para que? Modificar o sentido de tais manifestações significa para mim o ato inaugural do não-sentido, da quebra do princípio homeostático típico dos diversos ecossistemas que fazem deste Planeta um organismo.
Quem produz não-sentido ao sentido existente desde sempre? Este que vos fala e todos da sua espécie. Por que o fizemos, o fazemos e continuaremos a fazer, esta é para mim uma pergunta metafísica, portanto transcendente e/ou transcendental, o que não mais me interessa.
A “caminhada do elefante” é para mim a metáfora da busca da reconciliação – embora que eu acredite ser impossível – com todos os ecossistemas que violei, que contribui em sua violência ao longo da vida. Em nome, ora da reta razão, ora dos egoísmos mais mesquinhos, ora da soberba. Mas não é isto que importa. O que para mim hoje importa é sair-me da manada, o que não significa abandoná-la, desprezá-la o até mesmo esquecê-la. Tudo isso seria impossível, visto que minha condição humana só foi realizada graças aos outros humanos, os da nossa espécie, que entre tantas coisas me ensinaram a ser bípede e a transformar a linguagem originária em Palavra.
Quero do legado que me constitui poder contemplar sem interferir; distribuir o fogo da minha paixão com o meu entorno reconhecendo sua magnitude, e isto não exclui as fêmeas da nossa espécie. Quero cultivar meu amor fraterno para além dos humanos, fortalecendo meus vínculos existenciais com o que me emociona. Quero esquecer que me impingiram pertencer a uma espécie superior às demais espécies, assim como das demais manifestações da vida. Quero esquecer a mística-mítica de uma herança cristã que “criou” um deus “imagem e semelhança” dos homens, entre tantas outras “heresias” escritas nos catecismos. Basta de intermediários! Quero sentir e viver o “profano” como contraponto do religare,daquilo “ que liga e une e humano e o divino”, conforme Agamben. E que ainda acrescenta: “Profanar significa abrir a possibilidade de uma forma especial de negligência, que ignora a separação, ou melhor, faz dela um uso particular”. Quero trilhar os caminhos da vida negligenciando esta separação entre o sagrado e o profano. Quero sentir a vida como algo sagrado e profano ao mesmo tempo, neste átimo, neste breve instante que é minha vida, esquecido do saber-poder-lei, outro advento mitológico da modernidade.
Querido amigo Warat, que bom que estás abandonando a metáfora do cemitério dos elefantes. Ela nunca foi construção imagética minha. Os Cemitérios, quaisquer que sejam, são apenas cemitérios, depósitos das carcaças daqueles que morreram. Ali, quando muito, nós humanos pranteamos saudosamente entes amados residentes em nossas memórias. Os elefantes os produzem por instinto, apenas isso, sem metafísicas, sem transcendências.
A metáfora na qual me apoio, refere-se fundamentalmente à caminhada única que escolhi para abandonar a maioria dos mitos e que me constituiu adepto dos discursos e das práticas mitômonas e de suas invencionices religiosas e científicas.
Não acredito que sejamos mitômanos, que tenhamos a tendência mórbida para a mentira, como esta palavra sugere. Creio sim, firmemente, que possamos ser mitônimos, que criamos em nós e em torno de nós nomes de personagens mitológicos e que, portanto, somos criadores e criaturas de mitos.
Se quiseres ir para as beiradas das estradas da vida pedir carona ao primeiro circo que passe, vou contigo amorosamente e, se nenhum comboio parar, estarei ao teu lado buscando tua Gelsomina e serei um dos teus atores: entre o bêbado e o equilibrista
Carinhosamente
Albano
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