- Parte I –
Roteiro: Albano e Warat: dois alquimistas fugidos do Manicômio Judicial de Arkam.
O filme pode ser entendido como um campo de transmutações, que era um dos sonhos dos alquimistas que tentavam a transformação de um elemento químico
Desde sempre tivemos e temos túneis do tempo e do espaço que remetem a outros planos do real, onde vivemos intensidades emocionais impossíveis de serem experienciadas no plano do cogito que Descartes e Kant entre outros nos legaram ao inaugurarem o portal da Modernidade.
O cinema continua sendo um portal mágico que atravessamos em busca de emoções nunca vividas, mas que sabemos existir. A sala de projeção, quando nela adentramos, deixa escapar no ar um plano de expectativas que passa a nos envolver e o tempo da sessão rompe com o ritmo cadenciado dos relógios. O tempo e o espaço viram ficções. Qual espaço-tempo? O da duração do filme? O do filme que toma conta dos nossos sentidos e emoções? Que importa! O real se enche de paz (mesmo em filmes de guerra); nos deixa arrebatados pela paixão que nunca ousamos viver; nos lança em aventuras indescritíveis (mas que ali estão, plenas e misteriosas); nos faz viver as epopéias de Alexandre, o Grande e dos astronautas de 2001, uma odisséia no espaço.
Woody Allen
Dois personagens de mundos paralelos são transportados para lugares onde vivenciam, um e outro, a paixão do viver. Ele, enquanto protagonista fílmico de cenas de segundo plano. Ela como protagonista fílmica de cenas de primeiro plano. E nós, espectadores protagonistas das cenas que ali se desenvolvem nas quais também estamos (em que plano?). Enfim, três planos, três reais possíveis. Eis a magia do cinema posto e disposto no mundo-da-vida.
A Modernidade, constitui-se no meu entendimento, como uma construção de cenas fílmicas que são produzidas ao longo dos dois últimos séculos (os dois séculos anteriores foram para montagem dos roteiros “científicos”) A produção e direção ficaram sob a responsabilidade do Estado de Direito, dos cientistas da natureza e dos cientistas sociais; o financiamento e investimentos, o capitalismo burguês; e as falas dos atores sociais sob a supervisão dos lingüistas, lógicos e semiologos. Os atores principais: os cientistas positivistas e os capitães de industria, comércio e comunicação; os personagens secundários e os “extras”, todos nós que compomos a “multidão”, o “povo”, que além das “pontas” que fazemos somos a massa de espectadores que passivamente a tudo assiste. Nascemos, vivemos e morremos, lendo avidamente os “scripts” que nos são entregues de tempos
Aos coadjuvantes que não conseguem o enquadramento adequado nas tomadas de cena, lhes resta o opróbrio do fracasso e da exclusão social.
Os presídios, as escolas, as universidades e os hospitais psiquiátricos são alguns dos centros de treinamento de tais atores. Ali aprendem os papéis que devem desempenhar durante as filmagens, o que dura toda a vida. Ali também são “cortados” os pretensos atores que, de tempos em tempos podem ou não ser aproveitados. Tais “quase atores”, aqui denominados de excluídos-incluidos, podem ser nomeados para o papeis sempre secundários. Papéis de negros, de índios, de mulheres, de homossexuais, de doentes mentais, de drogados, de marginais, de comunistas, alternam-se ao longo da história dos filmes ocidentais. Assim como de muçulmanos, de coreanos e outros povos considerados primitivos, não civilizados. Enfim o “casting” é amplo e mutável, pois o que move os princípios de inclusão-exclusão são decisões racionais, são ações racionais com respeito a fins, daqueles que dirigem a produção cinematográfica.
Não sei, talvez por isso nós gostemos tanto de cinema; talvez por isso nos identifiquemos com personagens para os quais nunca somos convidados a desempenhar, mas que de algum modo sonhamos
O legado da Modernidade traz implícita a execução de tais roteiros. Por isto, Hobbes pontua o tempo histórico anterior ao do Leviatã como o tempo do estado de natureza, quando as pessoas viviam sem “scripts” definidos pela moderna racionalidade. Lembremo-nos do que o mesmo Hobbes afirmava acerca deste estado anterior, nomeado como beligerante, destrutivo, onde “o homem era lobo do homem”. Eis o lobo entrando
Nada nem ninguém que não correspondesse ao roteiro pré-estabelecido “racionalmente” poderia ter existência própria. Saberes ancestrais que foram construídos a partir de princípios amalgâmicos entre os três reinos naturais (a saber: mineral, vegetal e animal), foram caracterizados como irracionais e sem sentido. Fecha-se o cerco às narrativas não autorizadas pelo sistema saber-poder-lei. As construções conceituais e práticas dos alquimistas, dos magos, das bruxas, dos xamãs, dos feiticeiros foram exiladas para sempre, tal como os poetas o foram da República de Platão. Aos leitores-atores secundários dos “scripts” escolásticos restou a obediência cega e inconteste aos papéis dos novos cidadãos, desprovidos da capacidade de pensar reflexivamente ou intuitivamente sobre os papéis desempenhados, e se pretendiam ou não desempenhá-los.
As filas nas portas dos cinema aumentam... Os gabinetes dos “psis” estão em toda parte... os fármacos controlados, descontrolam...
Fim da primeira tomada (take 1).
Albano Pepe
17 de Julio de 2009
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