2 de junio de 2009

Como amantes que descubren su mayor deleite en la contemplaciõn del ser que aman

Caro amigo Warat,
Nada devo comentar do texto sobre mim no teu blog, visto que ele foi inspirado e escrito sob a égide da amizade (filia) e, como diria Aristóteles "pois esta é uma virtude, ou envolve a virtude, além do que constitui uma das exigências mais imprescindíveis da vida”. Portanto, falar da nossa amizade seria de uma pretenciosidade que não me permito. No entanto reporto-me a Aristóteles, pois dele retiro concepções que nos dizem respeito e que implicam reflexões por ele definidas como fronéticas, ou seja, dotadas de prudência em nossas vidas práticas. Além do que citei acima, transcrevo algo mais que ele nos fala e que pode provocar narrativas compartilhadas. Vamos lásentidos, sendo o sentido da visão a sede e fonte do amor – para os amigos:

“Como amantes, que descobrem seu maior deleite na contemplação de quem amam e preferem a gratidão do sentido da visão àquela de todos os outros (não deveríamos dizê-lo?) a mútua companhia é a coisa mais desejável que existe. Isto porque [em primeiro lugar] a amizade é essencialmente uma parceria; [em segundo] um indivíduo se mantém na mesma relação com um amigo que mantém consigo mesmo; a consciência de sua própria existência é um bem, de sorte que também o é a pessoas inferiores é nociva, pois estas pessoas compartilham de atividades inferiores {em função de sua instabilidade} e se tornando umas iguais às outras se tornam decididamente más. Mas a amizade dos bons é boa e cresce com o relacionamento mútuo. E eles, parece, realmente se tornam melhores praticconsciência da existência de seu amigo(...) E [em terceiro lugar] seja qual for o significado da existência para um ser humano e o que a torne para ele digna de ser vivida, ele deseja partilhar tal coisa com os amigos. (...) Pois uma vez que desejam viver entre amigos, praticam suas atividades de maneira compartilhada da melhor forma de que são capazes. Assim, a amizade de ando sua própria amizade e, porque corrigem as faltas recíprocas, uma vez que se amoldam assimilando os traços mútuos que aprovam e lhes agradam, daí o provérbio: Ações nobres {provêm} de indivíduos
Aristóteles, em “ A Ética a Nicômaco” nobres
Esta foi a fala que escutei de Aristóteles ao conv
idá-lo para falar sobre a amizade, diante da sugestão que me fizeste ao telefone, para que discorresse sobre a amizade; e sobre o narrador, outro tema a ser conversado, convidarei Walter Benjamin.
Assim como Aristóteles, também entendo, ao meu modo, que a amizade faz parte das virtudes éticas que nós humanos podemos escolher para trilharmos em nossas finitas existências. Destaquei das palavras dele um dos aspectos, aquele que ele considera o mais nobre, ao tratar do conceito de amizade, que pode ser traduzido enquanto filia (amizade) também traduzível por amor, em sentido talvez mais estrito de uma virtude, mais que qualquer outro que se ofereça ao termo.
Pois é, tenho buscado na minha fala (geralmente excessiva) e na minha escrita (com sempre parca e rara) trazer como pano de fundo a idéia da narrativa um pouco como a pensa Benjamin; como uma faculdade de intercambiar experiências. Deixo que ele nos fale:
“A experiência que passa de pessoa a pessoa é a fonte a que recorreram todos os narradores. E, entre as narrativas escritas, as melhores são as que menos se distinguem das histórias orais contadas pelos inúmeros narradores anônimos. Entre estes, existem dois grupos, que se interpenetram de múltiplas maneiras. A figura do narrador só se torna plenamente tangível se temos presente esses dois grupos. “Quem viaja tem muito que contar”, diz o povo, e com isso imagina o narrador como alguém que vem de longe. Mas também escutamos com prazer o homem que ganhou honestamente sua vida sem sair do seu país e que conhece suas histórias e tradições. Se quisermos concretizar esses dois grupos através dos seus representantes arcaicos, podemos dizer que um é exemplificado pelo camponês sedentário, e outro pelo marinheiro comerciante. Na realidade, esses dois estilos de vida produziram de certo modo suas respectivas famílias de narradores. Cada um deles conservou, no decorrer dos séculos, suas característi disse, constituem apenas tipos fundamentais. A extensão real do reino narrativo, emcas próprias. (...) No entanto essas duas famílias, como já todo seu alcance histórico, só pode ser compreendido se levarmos em conta a interpenetração desses dois tipos arcaicos. O sistema corporativo medieval contribuiu especialmente para essa interpenetração. O mestre sedentário e os aprendizes migrantes trabalhavam juntos na mesma oficina; cada mestre tinha sido um aprendiz ambulante antes de se fixar em sua pátria ou no estrangeiro. Se os camponeses e os marujos foram os primeiros mestres da arte de narrar, foram os artífices que a aperfeiçoaram. No sistema corporativo associava-se o saber das terras distantes, trazidos pelos imigrantes, com o saber do passado, recolhidos pelo trabalhador sedentário”.
Walter Benjamin, em ” Magia e Técnica, Arte e Política”
Ao escutar e ler estas falas de Benjamin penso que por artes do destino, entendido como algo que nos transcende, nós dois construímos trajetórias que podem ser definidas como as de marinheiros que desde sempre vivem o provisório dos portos, aeroportos, rodoviárias, hotéis, motéis e estalagens. O que nos leva a isto não é, creio, para ser explicado ou analisado no divã de analistas. É um fato, apenas um fato do real, do nosso real, mas que significa no meu entendimento nossa inscrição definitiva enquanto narradores. Talvez por isso nunca entendêssemos nossas aulas conforme o jargão da “pedagogia” medíocre que é professada nas academias pela maioria dos docentes. Penso a figura do pedagogo como a pensavam os gregos clássicos: como aquele que buscava os jovens em suas casas para levá-los à escola, e que nesta jornada diária lhes falava da história da cidade e da sua Constituição, da história de seus heróis, de seus deuses, da história de seus antepassados, da história da polis enfim. Veja você minha compreensão: se este pedagogo era o narrador, o verdadeiro educador é o que faz do conhecimento uma inscrição histórica traduzida através da narrativa que está inscrita em seu corpo, em sua vida. E, ao narrar, ele convida seus interlocutores para o diálogo, para que os mesmos sejam capazes de produzir suas próprias narrativas. O que é a Casa Warat? O que são os Cafés Waratianos?


Nestes últimos tempos tenho reduzido, ao contrário de ti, minhas atividades de marinheiro, porque talvez tal tipo arcaico já se constitua definitivamente como um dos meus “eus”. Talvez porque a figura sedentária do camponês exija, neste átimo de tempo enquanto um outro “eu”, uma presença mais marcante.
Daí Dois Irmãos, daí Itaara. Divago sobre isto, talvez porque penso na última caminhada do elefante sobre a qual te falei um dia. Em minha compreensão, tal caminhada do e qual me refiro, ocorre (pensam alguns) quando ele pressente sua morte próxima, não no tempo que estamos habituados a pensar e a viver, o tempo sublunar, mas sim no tempo cósmico da eternidade da physis, e que ao sabor deste sentir faz sua última caminhada, em direção ao lugar onde escutará e viverá seu réquiem, ofício dos mortos, liturgia do seu descanso eterno. Portanto, a leitura alegórica que faço para a minha caminhada é que, colocado ante a força da finitude, tenho que me pensar nesta caminhada, que no meu entendimento ocorre no mergulho profundo da autocompreensão. Caminho em direção das memórias ancestrais acumuladas ao longo da minha história cujas narrativas necessito escutar, cujas vozes preciso libertar e isto requer a quietude do sedentário, que ao contemplar-se contempla a physis, e que, ao fazê-lo afasta-se do tempo sub-lunar e aproxima-se do tempo cósmico, infinito ante a finitude. Diante de um tempo que se esvai naturalmente, surge um tempo que não se esvai, porque é, desde sempre.
Tal exercício, querido amigo, requer uma profunda intimidade consigo mesmo, com o desiderato da espécie a qual pertencemos, a dos homo sapiens sapiens, que vivem condenados a Palavra e suas manifestações, criadas enquanto representações de um real por nós abandonado e esquecido na morada original de todos os seres vivos. Não me pergunto por que estou em Itaara, em meio a natureza, na ausência das vozes humanas externas, as escutando apenas no interior do meu labirinto existencial, quando dentre outras vozes, tantas e tão poucas escuto a tua voz amiga, confortante e amorosa. Não me pergunto, porque esta não seria a pergunta correta, porque estou tentando elaborá-la, não para conhecer a resposta (quem a conhece?), mas tão somente para poder perguntar por um mim criado ao longo da existência.
“Decifra-me ou te devorarei”, disse uma vez a Esfinge.
Beijos do amigo, desde sempre.
Albano

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