26 de mayo de 2009

Una entrevista para Julia

Júlia é estudante de Direito na UFBa e me pediu uma entrevista, como parte de um trabalho esolar, sobre o "acesso à justiça". São quase devaneios de um magistrado sonhador.

P. O QUE ENTENDE POR "ACESSO À JUSTIÇA"?

Gerivaldo Neiva - Durante muitos anos, o acesso à justiça era entendido como algo meramente formal, ou seja, o direito que cada indivíduo tinha de acesso ao poder judiciário em busca da proteção judicial. Neste caso, defendia-se apenas a igualdade formal entre os indivíduos, desconsiderando sua condição social, sua cultura, suas necessidades, seu conhecimento do Direito e sua possibilidade de pagar custas judiciais ou contratar um advogado.
No constitucionalismo moderno, os direitos fundamentais e garantias individuais ganharam papel relevante e, por consequência, o acesso à justiça também passou a ser visto e estudado de maneira relacionada à efetividade do projeto constitucional. Sendo assim, não basta mais estar escrito na lei, por exemplo, que a educação é um “direito de todos”. Mais que isso, o acesso à justiça significa que esta abstração legal seja concretizada e efetivada pelo Estado.
O direito, portanto, deverá servir à concretização da justiça, e não como obstáculo às transformações sociais. Por fim, podemos dizer que, em última análise, o acesso à justiça é o fundamento essencial no cumprimento e respeito aos direitos humanos.

P. QUAIS OS MAIORES OBSTÁCULOS QUE IDENTIFICA NO ACESSO À JUSTIÇA?
Gerivaldo Neiva - Em primeiro lugar, é preciso ter consciência de que o Brasil ainda é um país periférico, de modernidade tardia e que ainda não concretizou as promessas de sua Constituição. Além disso, é um país marcado por forte desigualdade social e absurda concentração de renda. Sendo assim, no nosso caso, a discussão sobre o acesso à justiça deve levar em conta esses fatores estruturais da organização social, sob pena de restringir-se ao mero formalismo consistente na possibilidade legal de acesso ao judiciário.
Esta análise nos remete, por lógica, à necessidade de localizar os obstáculos no acesso à justiça, inicialmente, na própria condição social dos pobres e excluídos, compreendendo suas demandas sociais e existenciais. Dessa forma, talvez a própria exclusão social, política, econômica e cultural sejam os grandes obstáculos ao acesso à justiça das camadas mais necessitadas da sociedade.
Ao lado disso, convivemos ainda com as formas mais elementares de obstáculos no acesso à justiça, ou seja, a debilidade do poder judiciário, leis processuais extremamente formais, juízes insensíveis aos problemas sociais, o alto valor das custas, a longa duração do processo, a impossibilidade financeira de contratar advogado, a elitização do poder judiciário, a individualização dos conflitos etc.

P. O QUE SUGERIRIA PARA ENFRENTAR ESSES OBSTÁCULOS?
Gerivaldo Neiva - É certo que a desigualdade social e a concentração de renda não serão resolvidas com o simples acesso à justiça, mas também é certo que ao se cumprir a Constituição, garantindo a cidadania e dignidade da pessoa humana, como consequência da efetivação dos direitos e garantias fundamentais, o Direito exerce papel fundamental na solução dos problemas sociais.
O enfrentamento dos obstáculos, portanto, demanda várias frentes de atuação: a reforma do poder judiciário para torná-lo mais democrático e de fácil acesso à população; a reforma das leis processuais para tornar o processo mais informal, simples, oral, rápido e barato; a criação de instâncias de mediação e arbitragem dos conflitos, envolvendo a própria comunidade; a possibilidade de representação ou atuação coletiva como forma de solução para os conflitos difusos ou coletivos e, por fim, a formação continuada dos magistrados para que pensem o Direito como uma ciência que visa a solução dos conflitos e problemas sociais, que se justifica pelos fatos sociais e não uma ciência “para si”, para seus dogmas e conceitos.

P. COMO ANALISA O ACESSO AO PODER JUDICIÁRIO BAIANO?
Gerivaldo Neiva - O judiciário baiano não é diferente de outros Estados. A estrutura é precária, os sistemas e rotinas processuais são extremamente formalistas, o número de juízes é insatisfatório, a morosidade é escandalosa, os servidores não estão preparados para as novas exigências e, por fim, o judiciário baiano, tal qual o brasileiro, ainda é elitizado e distante dos anseios dos mais pobres e necessitados.
A interessante iniciativa representada pelos Juizados Especiais, principalmente os Juizados de Defesa do Consumidor, não estão recebendo a atenção merecida e atualmente estão quase inviabilizados em face da expressiva demanda. Há de se destacar também a criação dos Balcões de Justiça e Cidadania enquanto espaços de mediação e conciliação de pequenos conflitos.

P. NA SUA OPINIÃO, O CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA É CAPAZ DE MELHORAR O ACESSO À JUSTIÇA?
Gerivaldo Neiva - O Conselho Nacional de Justiça, apesar de alguns exageros em suas resoluções no tocante à competência, tem se transformado em uma espécie de “mal necessário”, pois somente com as investigações do CNJ a sociedade brasileira pode tomar conhecimento dos desmandos administrativos, nepotismo e outras mazelas praticadas pelos tribunais brasileiros.
Neste sentido – do controle administrativo – é possível que as ações do CNJ também repercutam na melhoria do acesso à Justiça. Sem dúvida, o aparelhamento do judiciário e a eficiência administrativa resultarão no melhor funcionamento do sistema.
De outro lado, conforme ressaltamos anteriormente, a eficiência administrativa e um alto nível de informatização, por exemplo, sem o compromisso com a efetivação das garantias constitucionais, pouco servirão como paradigmas de excelência no acesso à justiça.

P. QUAL ACREDITA SER O PAPEL DOS JUÍZES DE DIREITO NA GARANTIA DO DIREITO AO ACESSO À JUSTIÇA PELA POPULAÇÃO?
Gerivaldo Neiva - O Juiz de Direito tem um papel fundamental na concretização do acesso à justiça enquanto efetivação dos direitos e garantias constitucionais. Para tanto, é necessário, inicialmente, que os juízes passem por um processo continuado de formação jurídica, política social e humanística. Só a formação acadêmica não é mais suficiente para o exercício da magistratura. Mais que o positivismo e o dogmatismo, o magistrado de hoje necessita de formação social e humanística para compreender as relações sociais e aplicar o direito de forma justa e equânime, ou seja, sem ferir as garantias processuais, mas amparado na Constituição, o juiz deve ser ativo, sensível aos problemas sociais e, sobretudo, mais justo do que legalista.

GERIVALDO ALVES NEIVA
Sou Juiz de Direito da Comarca de Conceição do Coité - Bahia / e-mail: gerivaldo_neiva@yahoo.com.br
Terça-feira, 26 de Maio de 2009

Um entrevista para Júlia

2 comentarios:

Unknown dijo...

Prof. Warat, eu sou Shara Jane, de Teresina, e quero lhe indicar uma revista na qual sou da editoria. Nela, temos vários artigos e dentre eles o da sua amiga-orientanda Marta Gama falando de suas experiencias com suas fontes de inspiração, creio que a principal delas é voce.
O endereço é:
www.entrelugares.ufc.br

Se for do seu interesse publicar no nosso espaço, o próximo número trata do corpo como fonte de conhecimento.

Um abraço, Shara Jane.

Unknown dijo...

Olá Warat, acabei de postar um comentário sem continuar meu olhar sobre as paginas do blog. Queira me desculpar, voce já conhece a revista. O que achou dela? Um abraço, Shara.