4. A Casa Warat, a arte e o direito
Autores: Eduardo Gonçalves Rocha e Marcia Cristina Puydinger de Fazio
A proposta da Casa Warat, todavia, diferencia-se daquelas anteriormente apresentadas, pois ela não está centrada no Direito, na produção normativa ou na formulação e aplicação das leis, mas propõe-se a trabalhar com a subjetividade do jurista.

As leis, antes mesmo da sua aplicação, já se realizaram nos corpos daqueles que a submetem e foram submetidos por elas34. Então, por que continuamos pensando os macro-efeitos, as macro-produções legais, sem discutir os efeitos biopolíticos? Por que as teorias política, filosófica e jurídica descartam essa dimensão de suas análises? Por que esquecemos a estrutura de poder que molda os corpos, e criticamos apenas sua dimensão pública? Por que a categoria subjetividade passa a largo das discussões jurídicas? E claro, quando se faz presente está fundamentada no senso-comum teórico dos juristas.35
Tendo em vista esse conjunto de indagações, a Casa Warat rejeita a epistemologia do guerreiro, que marca a modernidade. Não queremos dominar o objeto, defini-lo, decompô-lo e ter acesso ao seu cadáver36. Para produzir conhecimento vivo é necessário admitir e se propor ao envolvimento com o objeto, com suas pequenas narrativas e sutilezas37..Sendo as operações menos racionais, as manifestações pré-lógicas, os pequenos comportamentos os mais significantes, por que persistir em um modelo epistemológico que negligencia isso?38
Nossa cultura evita o envolvimento, valoriza-se a visão e a audição por estarem associadas à distância, desprezamos o tato, o olfato e o paladar sentidos ligados à proximidade. O que não se admite é que mesmo para seenxergar e ouvir é fundamental a aproximação39. Ao envolver-me posso ver dimensões antes invisíveis40.
No entanto, ao contrário do que se pode dar a entender até aqui, o Movimento Casa Warat não enfatiza apenas o conhecer. Para nós o cognitivo também é uma dimensão vivencial, ou seja, indissociável da forma como se estabelece as relação com o mundo. Dessa forma, não admitimos transformar o outro em objeto, estabelecer-lhes padrões normalizadores e consumir suas subjetividades moldadas41. Também repudiamos o antropocentrismo jurídico social moderno que, ao colocar o homem no centro do universo, matou a natureza, mas também o próprio homem ao negar-lhe seu Dionísio42.
Para isso, recorremos à ética e à epistemologia da ternura, do cuidado. A categoria subjetividade adquire lugar de destaque43. O que é a subjetividade? Como ela se relaciona com os diversos campos do conhecimento? Como ela é moldada e oferece resistência aos fenômenos do poder? Essas são algumas indagações que devem ser enfrentadas.
Na ternura, não há conquista, mas sedução; não há posse, mas galanteio; não há segurança, mas incerteza, pois sempre se está aberto ao acaso; é a carícia do outro, que somente é possível quando se é afável consigo. É permitir o encontro de moléculas amigas, que se constituem por meio dessa interação44. “Podemos falar de ternura se nos aceitamos como sujeitos fraturados, para os quais a única modalidade de relação válida é a co-gestão”45.
Qual indivíduo, qual sujeito este encontro cartográfico chamado Casa Warat pretende formar? O criminoso46. Não queremos nos tornar estudantes, professores pinguinizados: seres que agem da mesma forma e sempre obedecem ordeiramente às regras. Queremos criar sentidos novos e valorosos, pois ser criativo está diretamente associado à transgressão do que está posto47. É questionar os processos normalizados, é resistir aos caminhos dados; a resistência torna-se o caminho48. É agir contra a violência, que marca a ética doguerreiro. É ter sempre como horizonte quotidiano a insurgência civil49. Enfim, queremos formar sujeitos críticos: aquele que está “[...] disposto a dar a volta em suas construções simbólicas sem temor de cair no absurdo”.50
A arte é um caminho para o encontro e expressão dos nossos territórios desconhecidos. Uma forma de vivenciarmos o delírio, de construirmos laços sociais fundados na ternura, de expressarmos nossa criatividade e criar o novo51. Não limitamos a arte aos quadros, às pinturas, à poesia, ao campo formal; queremos trazê-la para as nossas vidas. O clichê diz: viver é uma arte: então, porque nos falta o poder da loucura? Sendo assim, queremos criar molecularmente outro mundo e acreditar, insanamente, que isso é possível.52
Continua...
Artigo inicialmente publicado na Revista Direito e Sensibilidade
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