6 de julio de 2009

Falas nao publicaveis

Warat, Luis Alberto, uma lenda, conforme narras. Ao ouvi-lo, me permito recepcioná-lo como um mago, tal Merlin que tanto preencheu meu imaginário adolescente. Sem Merlin, impossível pensar o Rei Arthur, a Dama do Lago, os Cavaleiros da Távola Redonda, Guinevere a Rainha e Lancelot o Amante. Merlin foi criador de mundos e de caminhos que me levaram tantas vezes à Camelot. Também és um criador de mundos e também produzes personagens em teu mítico mundo surrealista e assim apontas caminhos para o meu universo fabular

Luis, no tempo sublunar passou mais de três décadas de um convívio atravessado por distancias geográficas e temporais, por silêncios abissais. Por caminhadas próximas, nas ruas de Santa Maria, de Caxias do Sul, de Santo Ângelo, do Rio de Janeiro, de Florianópolis, de João Pessoa, de Recife, de Buenos Aires, de São Paulo, de Porto Alegre. Quantas falas tuas escutei, quantos diálogos tecemos, quantos textos teus e meus escrevemos próximos. Os teus muitos, os meus parcos, e o nosso, bem... Este foi escrito numa semana de carnaval em São Paulo, em Vila Mariana mais especificamente.

Foi o meu Mestre? Não, foi o guru? Também não. Foi o meu ídolo? Tampouco. Fostes e és o amigo que se constrói na reciprocidade, na generosidade, daquilo que cada um dispõe completamente e que oferece ante o altar da filia (amizade amorosa), o legado de sua trajetória. E, cada um de nós soube fazê-lo, simplesmente. Tens caro amigo, os genes da inteligência sutil, que te permite uma disposição única: a de investires no outro eticamente, acreditando nos sintomas indicados pela empatia (sentir-se com o outro), e assim, passei a existir para ti. E assim, legamos um ao outro o depoimento de nossas trajetórias. Desta forma começou meu aprendizado para outras dimensões da vida que até então desconhecia. Aprendi a delicadeza do saber ancestral que trazias consigo e me remetia ao primevo da condição humana, que se constituia através da Palavra, até mesmo ao inominável, mas da Palavra.

Aprendi a escutar e, a saber que meus saberes acumulados estavam sendo mumificados, caso continuasse a não assumir os riscos que meus dragões indicavam. Se insistisse em burocratizar e cientificizar meu entendimento acerca do mundo da vida. Você não me seduzia para habitar o teu mundo, apenas me apresentava o mundo que havias construído na desconstrução de tantos mundos por ti vividos. Ao invés da ordem, me mostravas o Caos. E dele emergia toda a sedução poética de existências plenas, cósmicas, para além do mundo a quem somos submetidos desde sempre.

Fomos contemplativos das nossas paixões, Assistimos a passagem de mulheres em nossos desejos, em nossos sonhos, em nossos amores. Assistimos nossa impossibilidade de retê-las, senão por um tempo que não sabíamos se era o tempo adequado para vivermos tais vínculos. E elas, as paixões-mulheres se esvaiam por entre nossos dedos, impotentes que fomos em fazê-las permanecer. Mas sabíamos também que ali, naqueles lugares amorosos instalavam-se nossos mundos oníricos, nossas “señoras Dulcinea Del Toboso”. Cartas escritas, livros publicados, poemas desvalidos, “um sonho em cada esquina, em cada porto, em cada universidade”. Seguíamos, Don Quixote e Sancho Pança, Sancho Pança e Don Quixote.

Não tenho saudades do que fomos-somos nestas três décadas de convívios. Saudades, costumo afirmar, temos daqueles que não mais habitam o sublunar e que estão inscritos no plano cósmico, no plano da physis, tal fantasmas permanentes em nosso DNA ancestral.

Em um de teus livros, colocas como epígrafe: Por quien cantan las sirenas, ao que acrescenta em suas primeiras falas, “ que futuro nos espera? ” Aproveito a oportunidade e pergunto: PARA QUEM ESCREVEMOS? Que rostos vislumbramos ao depositarmos palavras em sua forma escrita? Posso declinar diversos motivos pelos quais não gosto de escrever e poucos de que porque escrevo. Mas, para quem escrevo? Não sei o que dizer. Sei apenas que este texto está sendo escrito para o amigo, tratando-se portanto de um diálogo transformado em escrita; que se movimenta lentamente, pleno de vazios temporais (escrevo hoje, não escrevo amanhã) e espaciais (de onde escrevo através de deslocamentos) mas sei para quem escrevo!

E, os outros textos, as narrativas costuradas, os poucos livros publicados,os artigos “científicos”, os poemas cometidos? Sempre pensei no rosto dos meus possíveis leitores-interlocutores, sempre pensei mas nunca imaginei como seriam, que reações teriam. Como dialogar com eles? Como argumentar se desconheço a costura dos contra-argumentos possíveis? Talvez para mim, escrever signifique tentar preencher a lacuna (diga-se de passagem, impreenchível) entre mim e o outro. Eis o contraditório: a escritura acontece tão somente em estado de absoluta solidão, preenchida apenas pelas vozes silentes dos fantasmas que produzimos; que apenas cada um de nós produz.

O texto desaparece da folha como num repente, como numa demonstração da evanescência de uma escritura não impressa, apenas sugerida. Perdi as páginas escritas (?) traído pelo meio eletrônico e por uma memória que teima em não repetir-se, em não trilhar os mesmos caminhos. Sorrio, acendo um cigarro e tomo mais um gole de vinho... Enfim, seguimos.

Corrijo rotas imaginadas, com a precisão de um robô utilizado em procedimentos cirúrgicos. Assim como falo e escrevo diante de uma tela LCD, apago e esqueço. Ao negar a burocratização dos meus atos, deixo-me levar pela voracidade da existência: agressiva e delicada. Falei de amores deixados no meio do caminho, por motivos sei lá quais, e mergulho numa efêmera depressão típica da recepção de perdas, inevitáveis ou não. Sei que doeu fundo quando o espelho colocou-se ante meu rosto, agora cansado pelo tempo das memórias póstumas. Lembro-me de Proust, em sua busca dos tempos perdidos. Pergunto-me: existem tempos perdidos?. Meu tempo existencial me traz não seduções, mas nele persisto. Ele é o que me é possível... Eu sou a morada possível.

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