5 de junio de 2009

Dois Irmãos (RS), 06 de maio, quase madrugada e chove.

Joven Warat Albano Pepe
Dialogos confesionales de los dragones de dos narradores que trataron siempre de contarnos el mundo desde la magia que impone el deber de esperanza

Primera Entega de Albano sobre sus dragones

SOBRE DRAGÕES, SONHOS E AMORES

Albano Marcos Bastos Pêpe

A Dialética dos Movimentos – aproximações oníricas

Nas antigas cartografias ocidentais, os dragões representavam, entre tantos outros seres sobrenaturais, aqueles habitantes de mares “nunca antes navegados”, das franjas limítrofes do planeta. Regiões abissais e profundas do desde sempre desconhecido e sedutor. Na narrativa oriental, eles simbolizam inclusive a proteção, o cuidado “amoroso”, diria eu. E nesta cultura milenar, eles continuam sendo reverenciados nos festejos públicos, envolvidos sempre pela magia das luzes e das cores. Mas, como não lembrar também daqueles dragões terríveis das estórias de era uma vez..., fiéis guardiões das “indefesas” donzelas mantidas em cativeiros, à espera de seu príncipe encantado.
Tantos podem ser os sentidos de tais relatos e de tantos outros acerca destes seres míticos que representam de muitos modos o desconhecido, mas todos simbolizando sempre o elemento “desejante” que anima a vida daqueles que procuram dimensões compreensivas nada convencionais para suas finitas e frágeis existências. E, nada melhor que estes seres fantásticos em sua plasticidade e força, agressivos e sensuais, indomáveis e desprovidos de medos. Dragões que habitam o nosso “desconhecido”.
Mas, antes de tudo, creio eu, os dragões representam primordialmente uma das dimensões de nossa ancestralidade, de nosso inconsciente histórico coletivo, de nossa identidade mítica, gestados em devaneios perdidos nas encruzilhadas dos determinismos das formas racionais que “explicam” e enquadram a vida, suas condições de sentido diagnosticadas e diagnosticáveis. Assim sendo, esquecidos de nós, “esquecemos” os dragões, aceitando outras figuras tidas como racionais, as quais representam, desde sempre, portos seguros de onde nossas embarcações (leia-se, nossos corpos) não devem afastar-se, nem tampouco perder de vista suas âncoras, seguramente forjadas pelo aço temperado pelas Leis, sejam elas as naturais, as teológicas ou da reta razão. Só assim, sob a égide dos poderes heterônomos, estaríamos garantidos contra um Estado de Natureza, fonte da hybris, liberdade desmedida, manancial inesgotável da perdição dos devaneios, dos sonhos amorosos que nos anunciam um “outro”, estrangeiro e ameaçador.
Objetivados pelos ordenamentos que sempre pregam a “obediência devida”, que nos protege da desmesura, somos desconectados da descoberta do desconhecido que somos, e que nos possibilitaria a construção de liberdades singulares e coletivas enquanto seres autônomos (responsáveis dos sentidos possíveis de cada existência singular) e, portanto criadores também de mundos vinculados e vinculantes. De mundos onde o indefinido, em suas formas oníricas se manifestaria amorosamente, desejante e sensual.
A ausência da condição “desejante”, que passa a ser substituída pela condição “consumista”, típica de nossos tempos, nos aliena, recriando em cada um e em todos um modo de vida objetificado, onde passamos a ser-como-os-outros-são. Componentes de uma multidão fragmentada e fragmentária, pastamos nos “verdes campos do Senhor” (metafísico, teológico ou racionalizado), esperando sem querer saber, a hora de sermos ceifados pela morte, fonte do auto-esquecimento radical, sem termos ousado minimamente vivermos, a não ser como-os-outros-vivem e morrermos como-os-outros morrem. Eis um curioso paradoxo dos tempos atuais.
Não ousamos sermos nós mesmos. Já que os seres objetificados, entificados, têm seus papéis no mundo-da-vida definidos desde sempre por inusitadas máscaras de ferro. Tais personas da tragédia grega, decoramos nossas falas e as reproduzimos nos palcos da insípida vida que nos foi permitida e assim pensamos forjar nossa pretensa humanidade.
Silenciamos a condição criadora dos sonhos. O mundo onírico, quando muito, depõe no tribunal da razão psicanalítica e psicanalizada. Pois ele também precisa ser coisificado, para que sentidos simbólicos representem significações razoáveis, para que do caos surja a ordem, a disciplina interior. Os sonhos-dragões, os sonhos–amorosos, capitulam enfim, ante os sonhos-depoimentos, lineares em suas irregularidades. Dragões não habitam mundos oníricos dedetizados, plenos de “nadas” que anulam e aniquilam liberdades, que se alimentam das interpretações e definições dos lugares-comuns reificadores e absolutos. Dragões acontecem nos mundos das coisas imprevisíveis, despojadas de quantificações e classificações. Acontecem onde todo e qualquer desejo pode acontecer. Surgem das brumas, da neblina que permite o acontecer imponderável, fruto permanente do novo que nos assusta e nos faz tremer. Dragões acontecem no olhar espantado que se faça acompanhar dos demais sentidos, tais como os cheiros, os toques, o roçar da pele, a umidade dos lábios que anunciam a condição desejante do gesto amoroso. Dragões acontecem quando nos entregamos a um “outro” amoroso que gesta nossa auto-compreensão, condição absoluta do viver.
Dragões não acontecem na produção em série dos amores-televisivos, copiados incessantemente por todos que aspiram amores-seguros, dotados de preservativos e com datas de validade. Ditos amores que desde sempre designam falas pontuais, a estética do momento, as jovialidades previsíveis. Corpos que se “fazem” desejáveis nas etapas sistemáticas das academias, esculpidos tais modelos adequados aos desejos forjados e fortalecidos pelos lugares comuns, pelas formas desprovidas de conteúdos, belas e vazias embalagens que circulam nas passarelas dos shoppings e das baladas. Estranhos corpos e mentes, que são tocados e não sentem, que pensam e nada assimilam, salvo as lições mimeticamente agregadas das aulas do amor-teleguiado. Basta ser-como-os-outros, vestir e sorrir como-os-outros, “ficar” como-os-outros fazem. Nada a ser descoberto, nada que não seja previsível, nada que possibilite o espanto, o nunca pensado, o nunca encenado.
Como em um teatro de variedades onde os atores se repetem até a exaustão. Um permanente corpo de danças, onde bem esculpidos pequenos deuses narcíseos se exibem para espelhos imaginários que repetem ao infinito suas formas únicas, pois iguais a todos. Identidades que se anulam nas outras identidades, desprovidas de almas e subjetividades. E, narcisicamente “amam” os corpos e mentes que melhor reproduzem os modelos internalizados como se fossem seus. Entregam-se a jogos onde indistintamente suas vidas, assim como a de todos os que deles participam são como peças de um eterno “puzlle”, encaixáveis, previsíveis, e que formam sisificamente as mesmas figuras nas mesmas molduras. Assim se fazem eternos, infinitos, pequenos deuses ausentes de si mesmos, que emergem das cápsulas de estimulantes sintéticos e que vagam na vida tais zumbis, belos e decorativos morto-vivos dos tempos pós-modernos.
Creio como os antigos, que os dragões habitam desde sempre as regiões profundas de um mundo não anunciável pela devoradora força racionalizadora, por um logos que a tudo nomeia. Creio na existência de uma zoe, de uma dimensão irredutível da natureza não-classificada e não coisificada onde os dragões existem. Regiões primevas anunciadas pelos poetas, eternos visionários que tecem a linguagem num eterno para-além de sua apreensão previsível. Linguagem sem estruturas gramaticais regradas e deterministas, linguagem sensual e amorosa que insiste em desvelar o outro que ludicamente oculta-se e assim recria a suavidade de seu devir amoroso.
Apenas assim, os dragões podem ser capturados pela delicada malha tecida pela linguagem poética, amorosa, desejante e aberta aos sentidos da natureza. Natureza que é vínculo desde sempre. Natureza que em seu ventre nos gesta e emancipa para que voltemos a Ela, plenos, sem nunca Dela havermos nos ausentado. Os dragões são elos a ser resgatados na busca onírica dos vínculos amorosos que possibilitam aceitarmos a presença contínua do outro, ao qual nos doaremos para assim recebe-lo nas diferenças que nos identificam com ele, amorosamente.
Os dragões nos indicam o infinito de nossas finitudes, resgatando a radicalidade de permanências densas que assumem as formas suaves e elementais da Natureza. Nascidos do ventre fecundo de Gaia, a Mãe Terra, ele traz a suavidade da brisa que nos envolve delicadamente e protetoramente. Como também a força expansiva das tempestades que nos fragilizam impondo-se ante nossa finita existência. Desta forma, nos preparamos para a recepção amorosa do outro, para a alteridade que daí advêm. Descobrindo-nos e descobrindo o movimento dialético da alteridade amorosa, nos colocamos ante uma condição originária, na vertigem do ato criador: suave, meigo, violento e arrebatador. O momento da criação amorosa é o momento do renascimento no outro e do outro. Momento de morte, de abandono às forças telúricas, momento de ressurreição, momento de vida, da criação ética, da produção de sentidos vinculantes.
Assim, os dragões nos falam de lugares oníricos, dos sonhos amorosos que nos remetem aos lugares desconhecidos que também somos, da zoe intangível onde nossas raízes mais profundas estão depositadas, sempre nos ofertando os nutrientes necessários à errância única que temos em nossa finita vida planetária.

A Dialética dos Movimentos – descaminhos discursivos

As formas discursivas típicas da racionalidade Ocidental, cultivada em solos positivistas demarcam rotas normalmente denominadas de métodos, que funcionam conforme o progresso da tecno-ciência, como bússolas ou como GPS, que garantem o sentido e os rumos dos saberes consagrados. Neste denso território de signos decifrados aprioristicamente não cabem, assim como na República de Platão, os descaminhos da fala poética e nem tampouco dragões, sonhos e amores.
No entanto, a aparente solidez da modernidade científica não criou um bunker perfeito, uma casamata à prova dos fragmentos amorosos que estilhaçados revoam no seu entorno em coreografias surreais. E neste balé encantado por uma “balada para um louco”, o poético se re-inscreve, insistentemente, sedutoramente, provocando em sua reverberação os descaminhos discursivos.
O projeto da racionalidade moderna constrói com sólidos alicerces a máquina de pensar, objetiva e objetificadora ela estabele os fundamentos de uma Lei heterônoma que dispõe os caminhos da obediência devida ao saber-poder-lei, ao mesmo tempo em que inviabiliza os (des)caminhos da subjetividade, da auto-compreensão daqueles que são os operadores do conhecimento. Levados ao esquecimento, tal os personagens da caverna de Platão, os operadores e usuários do saber técnico-científico, passam a aprender como otimizar suas formas de acontecer em um mundo previsível e provavelmente seguro. Os saberes consagrados a tudo mimetizam conforme a uniformidade necessária aos modos de ser na vida. Quanto aos dragões, apenas como produtos made in China para os que cultivam objetos kitchs.
Albano Marcos Bastos Pepe
Mestre em Filosofia pela Universidade Federal de Santa Maria
Doutor em Direito pela Universidade Federal do Paraná

A Dialética dos Movimentos – Borboletas e Liberdades


O vitral reflete uma imagem, minha imagem. O texto iniciado desaparece do monitor, vitral da tecnologia, mas a imagem refletida/reflexiva permanece. O refletido lembra um capuchinho, cabeça encoberta por um manto que serve de moldura a um rosto grave envolvido por uma barba tecida por cabelos brancos.
É madrugada e o silêncio harmonicamente repete a mesma sinfonia, inaudível, pois existente desde sempre. Uma ambiência típica de um monastério ecológico, habitat natural da vida e de seus sentidos possíveis.
Protegidas pela escuridão, as borboletas voam, desde sempre, e não se fazem perceber tal a suavidade e permanência de seus movimentos, contínuos e harmoniosos. Mas, de alguma forma sabemos das borboletas que atravessam as noites buscando, quem sabe, a visibilidade que os raios solares refletirão em suas coloridas e delicadas asas. Parece-me que ver as borboletas envoltas pela escuridão, diz respeito ao exercício de infinitas paciências, frente às limitações de nossa compreensão visual face ao que não se desvela apenas no uso dos nossos sentidos. Vê-las, envoltas pelo manto absoluto da noite, pode representar o exercício da libertação dos limites da sensitibilidade. Como que uma busca que inicia no olhar-se, na percepção e compreensão de uma condição natural onde estamos, e que somos, desde sempre.
Deixar-se mergulhar neste silêncio pleno onde somos, neste silêncio que também tecemos sua recepção, significa criar novos sentidos, tanto para os sentidos físicos, quanto para os sentidos que damos aos nossos sentidos no plano do logos, da linguagem que busca apreender a criação/emergência de borboletas e liberdades.
Saber da existência das borboletas através de suas aparições diurnas pode ser, como saber das liberdades por serem ditas: efêmeros relatos, sejam de nossos sentidos mais elementares, seja da memorização de enunciados que apenas representam. Descortinar os véus que ocultam e anunciam as borboletas e as liberdades, requer o silêncio cúmplice da natureza, da natureza que somos. Implica, quem sabe, no nascimento de sentidos que remetem à nossa finitude, à fragilidade do ser. À sua dissolução em totalidades que não podem ser capturadas pelas definições, tão somente sentidas na profundidade do existir radicalmente. Não apenas saber da existência, mas existir enquanto condição única, inexorável e finita.
As liberdades são as possibilidades de transcendência, de superação da mesmice, do indiferenciado. Elas fazem compreender as borboletas enquanto alteridades que evocam nosso desejo transgressor. Elas nos provocam a sermos os co-autores da vida em seus incontáveis modos de ser. Elas desprezam os vínculos pré-existentes e nunca existenciados que apenas alienam, ausentando os modos de ser do nosso permanente devir. Assim, somos levados a criar a delicada tessitura que faz surgir mundos que somos, mundos onde estamos desde sempre.

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